Para Refletir!!!

Nesse momento difícil em que toda nação sofre por inestimáveis perdas de vidas, o médico Luis Correia escreveu uma crônica que nos leva a refletir sobre esse desastre.

Brumadinho e a Lógica Científica do Cisne Negro

A lógica do cisne negro é um conceito proposto pelo cientista da incerteza Nassim Taleb, que define eventos (1) raros, (2) imprevisíveis e (3) de grande impacto. São os “cisnes negros” que mudam o curso da humanidade: queda da bolsa de 1929, surgimento de Hitler, descobrimento casual dos antibióticos, surgimento do iPhone, internet, 11 de setembro. Nenhum desses raros eventos poderia ser previsto, portanto não poderiam ser prevenidos, nem planejados. E o impacto deste eventos é proporcional a sua imprevisibilidade.

Em ciência, a lógica do cisne negro torna cientistas atentos ao papel da serendipidade (ideia que surge do nada) e do acaso nas grandes descobertas. Verdadeiros cientistas não se garantem apenas com plausibilidade, focalizam o máximo na experimentação e reconhecem resultados inusitados como geradores de hipóteses. Respeitam o cisne negro.

Na interpretação da história social ou clínica, a falta de reconhecimento do conceito do cisne negro faz com que interpretemos eventos com base em falaciosas hipóteses causais criadas pelo fenômeno de “previsibilidade retrospectiva”: contamos a história de frente para trás, inventando sentido para um fato.

Por outro lado, nossa elaboração mental deve perceber quando o evento não se trata de um cisne negro. Assim, a diferenciação entre cisnes brancos e negros deve estar no cerne da alfabetização científica da sociedade.

Quando ocorreu o desastre de Mariana, pensei: será que este foi um cisne negro? Embora analistas responsabilizassem a Vale por não ter prevenido aquele evento, eu me questionava se a impressão de que aquela catástrofe seria evitável não seria uma falácia narrativa. Aquele foi um evento raro e impactante. E como ninguém previu, poderia ser um evento imprevisível. Os três critérios do cisne negro estariam presentes.

Brumadinho desvendou o dilema: o desabamento das barragens da Vale não são cisnes negros. Ao ocorrer o mesmo evento em curto período, este deixou de ser raro e imprevisível. Um único evento inusitado pode decorrer do acaso, mas fica menos provável que dois eventos inusitados repetidos em pouco tempo decorram do acaso. Cientificamente, reprodutibilidade reduz a probabilidade do acaso.

A percepção de que isso não foi por acaso implica na possibilidade de prevenção a partir da identificação de causas. Portanto, abre-se o caminho para que isto nunca mais ocorra.

No entanto, surge uma preocupação ...

Se por um lado, o impacto local foi devastador, a perda do inusitado reduz o impacto histórico daquele evento. De acordo com a lógica do cisne negro, quanto mais inusitado, mais impactante é o evento. Brumadinho deixou de ser imprevisível, inusitado. Assim, passado o trauma da semana, o assunto naturalmente se diluirá entre tantos outros e a probabilidade de mudança de atitude pode ser menor do que após o inusitado desastre de Mariana.

Portanto, fiquemos atentos, Brumadinho não é um cisne negro!